O Governo do PS<br>participa activamente em guerras coloniais

Miguel Urbano Rodrigues

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A de­cisão do mi­nistro da De­fesa de en­viar es­piões para o Afe­ga­nistão foi re­ce­bida com um sen­ti­mento de re­pulsa por quantos con­denam a agressão ao povo da­quele país.

Alega o se­nhor Au­gusto Silva que o ob­jec­tivo é ga­rantir a se­gu­rança das tropas por­tu­guesas in­te­gradas no exér­cito de ocu­pação que a Nato ali mantém.

O pre­texto in­vo­cado é tão hi­pó­crita como os uti­li­zados para «ex­plicar» a pre­sença de forças mi­li­tares por­tu­guesas nas guerras do Iraque e do Afe­ga­nistão em mis­sões de­fi­nidas como de paz, com ou sem o aval do Con­selho de Se­gu­rança da ONU, mas que na re­a­li­dade con­fi­guram par­ti­ci­pação em agres­sões do im­pe­ri­a­lismo.

Só­crates e o seu mi­nistro – tal como antes Durão Bar­roso e San­tana Lopes – uti­lizam ar­gu­mentos di­ver­si­fi­cados para jus­ti­ficar o en­vol­vi­mento do Exér­cito e de ele­mentos da Força Aérea nessas guerras con­de­nadas pela hu­ma­ni­dade pro­gres­sista. Tudo serve para mentir ao povo na ten­ta­tiva de trans­mutar um crime em acto de de­fesa da ci­vi­li­zação «oci­dental e cristã» contra a bar­bárie e o ter­ro­rismo, que se con­cre­tiza no âm­bito de com­pro­misso com os «nossos ali­ados da NATO».

Com al­guma frequência mem­bros do Go­verno des­locam-se a Kabul e, reu­nidos ali com tropas por­tu­guesas, de­bitam dis­cursos fa­ri­saicos em ce­ri­mó­nias ri­dí­culas, com ampla co­ber­tura dos ór­gãos de co­mu­ni­cação so­cial lusos.

O es­pec­tá­culo que a TV ofe­rece quando en­tre­vista mi­li­tares de con­tin­gentes do Exér­cito ou da GNR que em­barcam para Kabul ou daí re­gressam é in­de­co­roso. Ofende a in­te­li­gência.

Ofi­ciais, sar­gentos e sol­dados re­petem com va­ri­ação mí­nima o mesmo dis­curso. Al­guns já cum­priram mis­sões «hu­ma­ni­tá­rias e de paz» na Bósnia e no Ko­sovo. La­mentam o dis­tan­ci­a­mento das fa­mí­lias, mas in­sistem na res­pon­sa­bi­li­dade de uma ta­refa co­lec­tiva in­te­grada na luta global contra o ter­ro­rismo num país onde a NATO e os EUA tudo fazem para im­plantar a de­mo­cracia e educar o povo, li­ber­tando as mu­lheres.

Nas en­tre­vistas re­a­li­zadas no Afe­ga­nistão em épocas fes­tivas é es­pe­ci­al­mente pe­noso ouvir sol­dados muito jo­vens de­bitar as­neiras sobre o que fazem, viram e sen­tiram num país cuja his­tória e cul­tura des­co­nhecem.

Nessas len­ga­lengas não faltam alu­sões à Pá­tria que ser­vi­riam e aos va­lores que a NATO de­fen­deria no Afe­ga­nistão.

É um dis­curso ro­bo­ti­zado que traz à me­moria o que du­rante as guerras co­lo­niais do fas­cismo os media di­vul­gavam, com ofi­ciais se­lec­ci­o­nados para o efeito, a ex­pressar o seu or­gulho por de­fen­derem nas sa­vanas e flo­restas afri­canas a in­te­gri­dade do «ter­ri­tório na­ci­onal» ame­a­çada por hordas de ban­do­leiros e as­sas­sinos.

Uma agra­vante: o exér­cito hoje é pro­fis­si­onal e os mi­li­tares en­vi­ados para o Afe­ga­nistão são vo­lun­tá­rios que re­cebem sa­lá­rios ele­vados.

Muitos com­portam-se e falam como mer­ce­ná­rios.

 

A perda da me­mória

 

Per­tenço a uma ge­ração que viveu o horror da guerra co­lo­nial. Por me en­con­trar exi­lado, tive a opor­tu­ni­dade de acom­pa­nhar sob uma pers­pec­tiva di­fe­rente o an­da­mento dessa tra­gédia. Desde o início man­tive con­tactos com os mo­vi­mentos de re­sis­tência. Co­nheci pes­so­al­mente Amilcar Ca­bral, Aris­tides Pe­reira, Lúcio Lara, Amé­rico Bo­a­vida, Paulo Jorge e ou­tros di­ri­gentes.

Não es­queço que nesses anos li­deres re­vo­lu­ci­o­ná­rios como Agos­tinho Neto, Amílcar, Sa­mora Ma­chel eram ape­li­dados de ter­ro­ristas pela gente de Sa­lazar en­quanto os ge­ne­rais que no ter­reno co­man­davam a ma­tança dos guer­ri­lheiros eram glo­ri­fi­cados como he­róis e re­ce­biam as mais altas con­de­co­ra­ções.

A Re­vo­lução de Abril as­si­nalou o fim dessas guerras re­pug­nantes. O povo por­tu­guês, que contra elas se ma­ni­fes­tara, teve a oca­sião de co­nhecer e aclamar os re­vo­lu­ci­o­ná­rios afri­canos que se ti­nham ba­tido pela in­de­pen­dência.

Então, o olhar sobre a His­tória abriu-se numa gui­nada de 180 graus. Di­ri­gentes afri­canos a que antes co­lavam o ró­tulo de ter­ro­ristas, dis­cur­saram sob aplausos na As­sem­bleia da Re­pú­blica e al­guns dor­miram em Queluz em camas dos an­tigos reis de Por­tugal.

 

O Afe­ga­nistão deles e o real

 

 No Por­tugal des­go­ver­nado pela di­reita, o apa­ga­mento da me­mória re­la­tiva à guerra co­lo­nial fa­vo­rece o re­a­pa­re­ci­mento do dis­curso ab­jecto sobre «a luta contra o ter­ro­rismo em de­fesa da li­ber­dade e dos di­reitos hu­manos» para jus­ti­ficar o en­vol­vi­mento vas­salo nas guerras do im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano.

Os crimes do fas­cismo em África são bran­que­ados e a de­fesa da acção «ci­vi­li­za­dora» de Por­tugal nas an­tigas co­ló­nias está na moda.

Poucos jo­vens sabem hoje que quase 10 000 por­tu­gueses mor­reram na guerra co­lo­nial e nela foram fe­ridos ou mu­ti­lados uns 30 000. E menos ainda têm co­nhe­ci­mento de que o total das ví­timas do lado afri­cano é ava­liado, por baixo, em mais de 100 000.

Essa ig­no­rância dos crimes do co­lo­ni­a­lismo, es­ti­mu­lada por filmes e re­por­ta­gens su­pos­ta­mente isentos, mas am­bí­guos, tem como com­ple­mento o bom­bar­de­a­mento me­diá­tico que apre­senta os EUA in­ves­tidos em cam­peões mun­diais da luta contra o ter­ro­rismo.

Tal como ocorreu com o Iraque, in­va­dido e des­truído por, se­gundo Bush, acu­mular armas de ex­ter­mínio ma­ciço (afinal ine­xis­tentes), uma pro­pa­ganda tor­ren­cial ca­lu­niosa apre­sentou o Afe­ga­nistão como uma ameaça para a hu­ma­ni­dade porque os ta­libãs aco­lhiam Ben Laden, guin­dado a ini­migo nú­mero um dos EUA, e a sua quase mí­tica Al Qaeda.

E o Afe­ga­nistão foi bom­bar­deado, ocu­pado e o seu povo tra­tado como con­junto de pe­ri­gosos sel­va­gens. O mo­tivo ver­da­deiro da agressão per­ma­neceu in­con­fes­sado. Washington não podia re­velar que a cor­di­lheira afegã en­cerra no ventre uma ri­queza fa­bu­losa em mi­né­rios.

Bases ame­ri­canas foram cons­truídas sobre ruínas de campos ar­que­o­ló­gicos em lu­gares que foram berço de grandes ci­vi­li­za­ções da an­ti­gui­dade. Onde os ve­te­ranos de Ale­xandre da Ma­ce­dónia edi­fi­caram há 2300 anos ci­dades ma­ra­vi­lhosas, no Nor­deste, na Bac­triana, pró­ximo da China, a sol­da­desca dos EUA e da NATO pas­seia hoje a sua ar­ro­gância de con­quis­ta­dores.

Mas o ob­jec­tivo não foi atin­gido. O Afe­ga­nistão mar­ti­ri­zado (so­mente nos meses pos­te­ri­ores à in­vasão mais de 100 000 pes­soas mor­reram de fome quando a ONU sus­pendeu o envio de ali­mentos) re­siste.

Se­gundo a im­prensa dos EUA e da Eu­ropa, quantos se opõem à ocu­pação es­tran­geira são qua­li­fi­cados de «re­beldes», ou «in­sur­rectos». E todos os que pegam em armas contra os in­va­sores são «ta­libãs».

É outra men­tira per­versa.

Co­nheço o país, res­peito a sua cul­tura e ad­miro a co­ragem es­par­tana dos afe­gãos.

O su­jeito co­lec­tivo da re­sis­tência à bar­bárie dos exér­citos de ocu­pação é o povo afegão. Os ta­libãs são uma par­cela da re­sis­tência. Sem o in­do­mável es­pí­rito de luta das tribos pa­ch­tuns, ta­ji­ques, us­be­ques, ha­zaras, tur­co­manas, os co­man­dantes das tropas da NATO e dos EUA não re­co­nhe­ce­riam que nove anos trans­cor­ridos da in­vasão do país, os «re­beldes» con­trolam a mai­oria das pro­vín­cias.

O pre­si­dente Obama – para o qual a vi­tória no Afe­ga­nistão era uma pri­o­ri­dade da sua po­lí­tica ex­terna – foi já for­çado a de­mitir o ge­neral Mc­Chrystal por cri­ticar a sua es­tra­tégia no país onde exercia a função de su­premo co­man­dante mi­litar. A si­tu­ação tornou-se, porém, tão caó­tica, que o subs­ti­tuto, Pe­traeus, também dis­corda pu­bli­ca­mente de Obama, tal como ou­tros ge­ne­rais. Os factos pa­recem in­dicar que o Pen­tá­gono tem hoje mais poder real do que o Pre­si­dente no que res­peita às guerras asiá­ticas.

São guerras cri­mi­nosas, apo­dre­cidas que ins­piram re­pulsa à mai­oria da hu­ma­ni­dade.

É tempo de que o povo de Por­tugal, que na ar­ran­cada da Re­vo­lução de Abril pôs fim a uma guerra co­lo­nial mons­truosa, as­suma o dever de se ma­ni­festar ac­ti­va­mente contra a re­pug­nante guerra no Afe­ga­nistão e de exigir nas ruas a re­ti­rada dos mi­li­tares por­tu­gueses que ali servem a am­bição de do­mínio uni­versal do im­pe­ri­a­lismo es­tado-uni­dense.



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